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A Festa (2017)
Apesar de ter sido realizada alguns anos atrás, a pintura A Festa (2017), de Marepe, ganhou novos significados após a experiência global com a pandemia de Covid-19: segundo o artista, uma festa que acontece dentro de um apartamento, a que comparecem apenas duas pessoas, que são um casal e, portanto, festejam em família no ambiente confinado de casa, é um retrato do que viria a se tornar a normalidade de uma festa possível. Só pessoas de um mesmo círculo de convivência diária num ambiente isolado e doméstico. “Minha relação com a minha casa se transformou muito durante todos os meses de confinamento. Assim como deve ter ocorrido com muita gente, eu precisei me voltar a afazeres com os quais não tinha preocupação antes, já que não tínhamos mais ajuda em casa. E esse voltar-se para a casa, debruçar-se sobre as minúcias da domesticidade, os mínimos detalhes e cantos do nosso próprio habitat, despertou novos olhares sobre esse entorno. Descobri tanta coisa sobre a minha casa e hoje posso dizer que a conheço melhor do que nunca”, conta Marepe.
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Contatos espaciais (2020)
Intitulada Contatos Espaciais (2020), a obra representa casulos (ou conchas) com antenas, estas simbolizando o tipo de contato que marcou o cotidiano da maioria das pessoas em 2020, em que a canção Parabolicamará, de Gilberto Gil, foi levada – na vida “real” – às últimas consequências do ponto de vista do que, um dia, significou possuir uma antena parabólica: “Antes mundo era pequeno/ Porque terra era grande/ Hoje mundo é muito grande/ Porque terra é pequena/ Do tamanho da antena…”. Nosso planeta ficou minúsculo, do tamanho de uma concha, hiperconectado via Zoom e viewing rooms.
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Sem título (2017)
Assumidamente abstrato, o grupo de desenhos Sem Título (2017) faz parte das investigações recorrentes de Marepe acerca da tradição da colagem. Desde Braque e Picasso, a arte moderna passou a caminhar na hibridez entre as linguagens tradicionais e a colagem, derivando desta gênese (ao menos na narrativa canônica da arte ocidental) todo um universo de “expansão” do campo da arte. Nesta série de 2017, Marepe mistura colagem, desenho e tinta com liberdade e coerência, imaginando - sobretudo pelo brilho prateado da fita adesiva que escolheu para dar unidade ao conjunto - um futuro para a arte que é prenhe de passado e, sem qualquer paradoxo, pós-futurismo. A tinta comparece por meio de seus icônicos carimbos desenvolvidos para retratar a vida no sertão da Bahia (série Carimbó, 2007).
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Olhar encarcerado, Óculos (2008)
Olhar Encarcerado (2008), também inédita, que provoca o entendimento sobre a visão. Trata-se de um par de óculos gigante em que a “lente” são cabos de aço que não permitem o acesso ao outro lado, somente esse olhar fragmentado que acusa a dificuldade de enxergar. A peça exige um deslocamento do corpo para ser apreendida e mimetiza simbolicamente o impedimento de se deslocar, a impossibilidade de olhar, a limitação de viajar para ver o mundo. Para Marepe, a obra ganhou novos sentidos com a pandemia, daí a decisão de incluí-la na exposição, como um contraponto à tela A Festa, que trata também das novas formas de olhar da atualidade.
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Sem título (2020)
Marepe cria as suas colagens como constrói as suas assemblages (leia-se que parte significativa de sua obra escultórica é pensada como colagem tridimensional): recolhendo e selecionando fragmentos do mundo para edificar novas narrativas sobre o mundo. Valer-se das partes como matéria-prima para narrar o todo tem algo da tautologia dadaísta para atestar a irracionalidade da civilização. O artista tem séries bastante distintas entre si de colagens. Neste grupo, Sem Título (2020), que constitui uma sequência de trabalhos anteriores, Marepe flerta com o surrealismo ao fazer o observador estranhar e, por isso, rever elementos e imagens que pareciam familiares ou corriqueiros, mas não são.
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Conexões protetoras (2020)
As tubulações não são um material sem precedentes na obra de Marepe, que já utilizou canos e tubos em trabalhos anteriores, em geral como uma alusão ao universo da domesticidade. Conexões Protetoras (2021) tem um formato que remete ao de uma estrutura habitável, como se fosse o esqueleto arquitetônico de um abrigo improvisado. O artista investiga desde o início de sua trajetória aspectos do urbanismo vernacular, da série Embutidos, em que propunha a utopia de uma casa portátil, até o grupo de obras que leva o nome de Edifícios, feitas a partir do empilhamento de utensílios domésticos de plástico nas cores disponíveis daquele determinado item na fabricação em larga escala. O jogo de escala é a chave para entender estes últimos, pois o que Marepe propõe com os Edifícios é o oposto da utopia dos seus Embutidos: devolver à escala monumental (de um prédio, por exemplo, mas em proporções mais próximas da maquete do prédio) os pequenos recipientes de plástico utilizados para acondicionar ou facilitar as coisas comezinhas da vida cotidiana (fôrma de gelo, saboneteira, escorredor de louça, assento de bebê, potes, vasos, brinquedos de praia, comedouro para pets e porta-trecos em geral) que inundam o mundo distópico do capitalismo avançado. Obra de maturidade, Conexões Protetoras se projeta para além da dicotomia dos trabalhos utópicos e dos distópicos, porque nele Marepe simplifica a edificação, assim como o seu conteúdo, que se resume a uma cadeira de inox sobre a qual repousa um globo de vidro, evocando a proteção das ações e posturas pautadas na solidariedade.
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O trabalho de Marepe adquire uma complexa sobreposição de referências e significados no uso de materiais prontos e objetos do cotidiano.'Em um momento de homogeneização cultural global suas obras carregam uma forma excepcional de autenticidade falando das particularidades culturais únicas do lugar que ele chama de lar-Bahia, propondo um argumento que é globalmente compreensível. A atração de suas obras está em sua natureza exótica que fala com a fusão de culturas da qual ele é testemunha.' (Excerto do texto 'Canibalização do dia-a-dia' por Jens Hoffman).