Sem título: Galeria Luisa Strina

Apresentação

Há imbecis que chamam meu trabalho abstrato; o que eles chamam abstrato é o mais realista, porque o que é real não é a forma exterior, mas a idéia, a essência das coisas. [Constantin Brancusi]

 

Galeria Luisa Strina: Esta é a sua nona exposição na Galeria Luisa Strina. Desde 1990 que vem apresentando o seu trabalho na galeria, por exemplo a mostra “Exposição de Quadros” (1997), onde repinta autores como Poussin e Turner, e a exposição “Mundo Plano” (2003), com uma série de telas abstratas que se podem aproximar de Volpi, Oiticica, Clark, Burle Marx, Fontana, Pollock e Mondrian. Atualmente como relaciona esse percurso no trabalho que apresenta hoje?

 

Caetano de Almeida: Quando eu apresentei a exposição “Mundo Plano” (2003) – que se relaciona com a minha viagem pela Índia e França – eu descubri todo um repertório de padrões de tecidos e o seu processo de reprodução. Aqui surgem as estampas, por vezes associado ao meio popular, podendo até se cruzar com um leque de imagens de outras ordens, e ainda, imagens que seguiam por um campo mais abstrato. Eu não fui caminhando intencionalmente para a abstração, mas o próprio conceito do trabalho acabou por chegar a essa depuração. Na “Exposição de Quadros” (1997), era possível ver a obra de arte estereotipada, por exemplo uma pintura com uma camada de tinta grossa, que protegia uma imagem e a afastava do espectador. Para esta exposição em 2012, eu reduzi bastante a minha paleta de cores, condicionando-me aos potes de tintas oferecidas no mercado, seguindo orientação da própria escala de cores dada pelo fabricante. Portanto com esta série de cores eu tento organizar um certo caos. Um contraste entre organização e desorganização, que se aproxima da tensão entre a sincrônico e o anacrônico.

 

GLS: A tela “803” (2011), apresentada na exposição faz uso de um padrão geométrico próximo de tecidos decorativos, com tiragem industrial. Com esta apropriação tenta cruzar o plano do erudito com o popular, através da pintura?

CA: A partir do momento em que me aproprio de imagens, acabo por me confrontar com muitos contrastes, entre eles o erudito e o popular. Julgo que não é este contraste específico que me interessa. Eu estou interessado num contraste com uma incidência mais ampla. Com o tempo fui percebendo que é mais na essência da obra do que na periferia da mesma. Essas imagens populares estão sempre ligadas a um padrão, que poderá ser de uma estampa, ou até de uma enciclopédia. Quando eu faço essas imagens, das pinturas mais abstratas eu estou só usando um padrão, seja ela pela forma ou pela cor.

 

GLS: Vivemos um momento em que a reprodução da imagem é feita de forma cada vez mais acelerada e instantânea, como o vídeo, proliferando via YouTube ou Facebook. No seu trabalho deparamo-nos com o oposto. Poderia falar um pouco do seu processo de trabalho, e como chega até a estas imagens?

CA: A pintura “Tarde de São João” (2012) demorou quase dois anos a finalizar. A ação performática do fazer da peça também é importante para mim e isso traduz-se nestas pinturas. Através dos instrumentos que aplicam a tinta, a escolha das cores, a luz do próprio dia, tudo isso influência o trabalho. Eu tento agir da forma mais mecânica possível, por exemplo, as linhas destas pinturas foram todas construídas a partir de um procedimento de repetição continua, através de uma máscara de fita crepe.

 

GLS: É um procedimento controlado, mas apresenta uma dialética, pois o resultado final é descontrolado.

CA: Eu acho que é por aí. Para a realização da “Aquarela Lírica” (2012), que consistiu na colocação de uma folha de papel no chão do atelier, e a partir do 1º andar da casa, media diariamente uma distância especifica, para controlar o tamanho da mancha (pois as gotas não tomam um lugar aleatório), como a intensidade da cor quando cai na folha de papel. Quando eu digo calcular refiro-me a uma noção imaginária dessa medida que só é reconhecível com a prática de atelier. Tudo isso faz parte de uma linha de montagem, onde vou passando de um trabalho para o outro, dando o devido espaço e tempo na realização de cada um.

 

GLS: Há portanto uma simultaneidade que está presente na construção e processo de trabalho deste grupo de pinturas.

CA: O tempo da pintura é um ponto diferente, é claro que, a fotografia tem um procedimento técnico diferente – tudo é mais rápido. Eu começo a estabelecer essa idéia de linha de montagem, quando eu salto de pintura para aquarela para pintura para aquarela, que afirma um exercício de simultaneidade. Todo o processo de trabalho é caracterizado por essa instabilidade, entre o caos e a organização.

GLS: Poderia me falar da pintura “Tarde de São João”, 2012?

CA: A “Tarde de São João” (2012) aproxima-se da estrutura flutuante da pintura e paleta de cores de Guignard.

 

GLS: Como é que vê a abstração no seu trabalho e nas práticas visuais contemporâneas?

CA: Eu não gosto de nenhum tipo de classificação em relação a qualquer trabalho. Eu não estou fazendo nada de abstrato. O que eu acho mais interessante na arte contemporânea é esta pluralidade de meios, onde os artistas trabalham várias questões.

Installation Views