Alrededor: Galeria Luisa Strina
A relação funcional entre um objeto e uma ferramenta de análise da informação visual é uma das questões que Pablo Accinelli (Buenos Aires, 1983) vem circulando desde os últimos anos da década passada. Nos seus desenhos e objetos, a redução dos elementos ao seu nível quantificável está sincronizada com o protagonismo dos mecanismos de medição: réguas, esquadros e sistemas de cores susceptíveis de aplicação por um usuário sobre uma estrutura de dados, como se fossem a interface gráfica de um programa de edição de imagens.
Nos trabalhos apresentados em Alrededor, Accinelli progride da ratificação do rol formal dos mecanismos de análise, para uma busca do sentido figurado que uma característica morfológica pode adquirir se projetada no espaço, da maneira que se extrai uma família de círculos de um compasso. O interesse presente nas peças, concisas e frequentemente anedóticas, desloca-se da objetividade da imagem até a captação de relações construtivas que a figura da projeção organiza em suportes e formatos variados. Diferentes objetos de uso cotidiano materializam um estrato de possibilidades espaciais e sensíveis através da transição do literal ao metafórico: o giro de uma página se revela em uma meia roda de concreto; a onda expansiva de um gol retratado numa foto gera uma curva na retícula plana; um gabarito para arquitetura ganha altura e gera uma vista aérea de um grupo de edifícios. Mecanismos simples de translação e extrapolação explicam esses raciocínios projetivos, nos quais o protagonista central não é mais o usuário abstrato da informação, senão um experimentador que se move através do sentido figurado das imagens: os restos de um lápis apontado podem ser semelhantes às cúpulas pontiagudas de uma torre e vice-versa. O foco de Accinelli migra do desenho ao objeto; os instrumentos de análise que são susceptíveis de ser ampliados no plano dão passo a materializações físicas daqueles experimentos, organizadas em estantes: uma espécie de diário de bordo de trabalho composta por metáforas tridimensionais.
Mirar: construir é a peça que mais aprofunda esta relação entre o sentido literal e figurado da projeção. A obra é composta por duas estruturas ortogonais idênticas separadas por um espelho: a identidade entre o referente e seu reflexo se materializa na repetição física dessa figura. O título possui a estrutura de uma entrada de dicionário. Olhar é construir, ou melhor, construir é projetar, no sentido literal e figurado do termo.
A projeção se apresenta como um instrumento para levar aqueles mecanismos de análise da imagem além deles mesmos, trasladando-os de um estado de resposta para um estado de pergunta, antecipação ou expectativa. Ao dar ênfase ao domínio perceptivo e cognitivo do espectador, as peças se adiantam ao trabalho lúdico da mente, que descobre conexões, semelhanças e contrapontos nos dados que ela recebe. Não obstante, mais do que insistir no caráter artificial da nossa percepção, Accinelli procura envolver o espectador em um exercício de maior alcance: que a experiência de olhar constitui um problema prático.