Querer e não querer, desejar e temer: Anna Maria Maiolino

Apresentação

Querer e não querer, desejar e temer é a terceira individual de Anna Maria Maiolino na Galeria Luisa Strina. A mostra, que precede a cerimônia de entrega do prestigioso prêmio Leão de Ouro à artista na Bienal de Veneza que se realiza em abril, reúne uma seleção de obras produzidas desde a década de 1990 até o presente, algumas delas expostas pela primeira vez e outras raramente exibidas. 

 

Trazendo desenhos, esculturas, fotografias e vídeo, a exposição é a manifestação de uma obra de caráter rizomático, que se desdobra por uma multiplicidade de meios e de forma não linear ao longo de mais de cinco décadas ao mesmo tempo em que mantém uma notável coerência. As obras apresentadas na exposição foram selecionadas pela própria artista, criando um percurso que atravessa materialidades e temporalidades distintas e estabelecendo nexos entre trabalhos produzidos em diferentes suportes.

 

Com uma produção calcada na experimentação, Anna Maria Maiolino explora questões ligadas ao fazer como obra, às relações entre sujeito e objeto e a potência criativa do vazio. Tendo imigrado primeiro para a Venezuela e, mais tarde, para o Brasil - e vivido nos Estados Unidos e na Argentina por alguns anos -, Maiolino traz para seu trabalho a experiência de uma identidade fragmentada, bem como o sentimento de perda e deslocamento que acompanham uma vivência diaspórica. A partir da repetição de gestos primordiais e formas arquetípicas, resultam séries de trabalhos que constituem uma linguagem da proliferação e da diferença. 

 

As linhas, acumuladas ao longo dos anos no rosto da artista retratado no políptico fotográfico da série Corpo – Paisagem Fotopoemação, aparecem nos desenhos da série Peculiaridades e Ovoides como linhas hachuradas que, por sua vez, tomam um corpo tridimensional nos trabalhos em metal fundido da série Incompletudes. Essas associações com a linha são evidentes, ainda, nas formas elementares que compõem a escultura de parede em cerâmica raku Linhas e pontos, obra que ecoa no plano tridimensional a delicada grafia dos desenhos da série Conta-Gotas. 

 

Entre os desenhos exibidos, encontra-se um exemplar da série Codificações matéricas, descrita da seguinte maneira por Maiolino: “(...) trabalho com a ação consciente das inter-relações matéricas: minhas pulsões, a tinta e a força da gravidade. A gota de tinta é o agente transformador do papel. Ela escorre, desenha formando linhas saturadas de pigmento. A gota desce a ladeira do papel, atraída pela força da gravidade, enquanto seguro o papel e o movimento firmemente em minhas mãos, como um capitão de navio segura o leme. Os itinerários condensam-se pela tinta em contato com o ar. Um sistema se estabelece – simples e primário. Nestes desenhos trabalho no domínio da força, devido à gravidade e à saturação do peso da tinta em seus percursos. Estes desenhos expressam a materialidade.” Na série Aguadas, a artista utiliza o nanquim sobre o papel totalmente encharcado, o que forçosamente faz com que incorpore o acaso enquanto tenta evitar que a tinta se expanda descontroladamente. 

 

A série Hilomorfos empresta seu título da teoria do hilomorfismo aristotélico, segundo a qual todos os seres corpóreos são compostos por matéria e forma, sendo a matéria potência imanente e a forma o ato que transforma a matéria. Segundo essa premissa, as esculturas da série Hilomorfos são produto da capacidade de manipulação da matéria. Além dos diversos exemplares da série Hilomorfos, a exposição inclui esculturas das séries Da Terra, Entre o Dentro e o Fora e Novos Outros, em gesso, cimento moldado e alumínio fundido, evidenciando o interesse da artista pela experimentação com materiais distintos. 

 

Com a exposição Querer e não querer, desejar e temer – cujo título espelha as dualidades presentes na obra da artista, como o cheio e o vazio; frente e verso; negativo e positivo –, Maiolino oferece ao público um recorte generoso e múltiplo de uma parte significativa de sua extensa obra. Suas escolhas sensíveis e precisas permitem, sem didatismo, que o espectador encontre a partir dos próprios trabalhos algumas das possíveis articulações de uma linguagem aberta e em constante transformação.

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