A Estatura da Liberdade: Galeria Luisa Strina
Como se fosse um livro de contos, A estatura da Liberdade é a sexta exposição individual de Jorge Macchi na Galeria Luisa Strina, onde é apresentado um conjunto de obras muito diferentes entre si, sugerindo uma compreensão não monolítica do todo. A exposição é uma viagem através de algumas obsessões do artista: a memória, o efêmero, a transparência, o fantasma, o eco, a representação do som, a réplica, a subversão da lógica, a desintegração da imagem. Nas palavras de Macchi, “Minha intenção é que se perceba um rio subterrâneo que passa por todos os objetos, embora eu não possa definir o nome desse rio”*.
Talvez a obra La estrategia de la ameba seja uma referência grotesca a esse elemento unificador: uma mala sobre rodas se move sozinha pela sala e ao colidir com um obstáculo (parede, objeto, base de escultura, visitante), ela para, gira 180 graus e continua sua jornada até que um novo obstáculo apareça. A ameba, desprovida de sistema nervoso, interage com o ambiente que a cerca através de sua membrana celular: diante de um estímulo nocivo, irritante ou nutricional, reage de forma primária aproximando-se ou afastando-se dele. A mala é, além de visitante teimosa e voraz da exposição, uma criadora de relações sempre novas entre as peças. O trabalho foi desenvolvido por Lucas Gonzalez e LAPSo (Laboratório de Acústica e Percepção Sonora) da Universidade de Quilmes, Argentina.
Acorde é uma peça feita de cerâmica esmaltada composta por oitenta e oito peças em preto e branco que reproduzem um teclado de piano em escala 1:1. As oito teclas que formam um acorde de Sol menor parecem pressionadas. A escultura congela o momento da execução de um acorde cujo som já se desvaneceu, ou cujo som permanece e, justamente sua permanência o torna inaudível.
Confesión é uma caixa de papelão de uma smart TV de 50 polegadas com todos os seus lados vazados em forma de cruz repetida, como um módulo, que remete ao metal perfurado dos confessionários. A caixa não contém mais nenhum objeto, mas foi transformada pela ação do openwork em um instrumento visual que permite ver, de maneira fragmentária, seu interior e o que está por trás dele.
Em Debajo de la mesa, 6 mesas de madeira de igual tamanho e forma se conectam pelas extremidades de suas pernas deixando um espaço central vazio.
Short story, Avión, Septiembre 2020, Mapa y Relief são pequenas obras, feitas com corda de piano, que pendem fragilmente das paredes e reduzem esquemas de escala, diagramas de calendário e papéis dobrados quase a ponto de sumir de vista. O mesmo ocorre com a série Presente: três estruturas feitas de haste de aço que reproduzem as dobras de um papel que em algum momento embrulhou uma caixa.
Drift bottle 7 (testigo de deriva) é uma garrafa plástica de água mineral que contém em seu interior a reprodução em escala de um veleiro. O título refere-se às garrafas lançadas ao mar com dados sobre a data e o local onde foram lançadas, para conhecer o movimento das correntes superficiais. Essa peça é, ao mesmo tempo, uma mensagem em uma garrafa, um mundo fechado em uma bolha de plástico, e uma referência distante à Ilha do Plástico, o maior acúmulo de plástico flutuando e se movendo no Oceano Pacífico.
Todas las palabras del mundo é uma parede onde os tijolos desapareceram e só resta o cimento que os mantinha unidos. A estrutura reproduz um teclado de computador em escala. Como em Confesión, a parede é um artefato para se olhar, neste caso, pelo vazio deixado pelas letras.
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* A multiplicidade de suportes tem a ver com a relação específica que procuro estabelecer entre imagens e materiais. Acho que o importante deve ficar por trás da superfície e, nesse sentido, a variedade de mídias pouco importa. Em geral, quando exponho procuro fazer coexistir obras materialmente muito diferentes entre si.Jorge Macchi, Edgardo Rudnitzky entrevista para a revista Bomb, Nova York, EUA 2009.