Open a larger version of the following image in a popup:
Imagem Name: webThiago_Honorio_SESC_Frestas-21@EdouardFraipont.jpg

Thiago Honório
N. 1979, Carmo do Paranaíba, Brasil
Vive e trabalha em São Paulo, Brasil
Bala, 2015 / 2017
boneco-bandeja de doces de aniversários dos anos 1970 em escala natural 1:1; balas de coco embrulhadas em papel de bala rococó em cores sortidas
1,80 m x 30 cm
2/3
19117
© artista [the artist]
versão tamanho humana da obra 14510
Bala consiste num baleiro construído em escala natural, cujo corpo – que toma como
referência um boneco-bandeja de mesas de aniversário infantis durante os chamados “anos de
chumbo”, 1964-85 – é formado por bandejas elípticas de madeira e metal recheadas de balas
de coco, embrulhadas em papel de balas rococó de cores sortidas. Em alguma medida, a
pirueta semântica do título deste breve texto está contida no trabalho e o anima (a palavra
coco, por exemplo, de certo modo está contida na palavra rococó, sem o acento agudo).
As mãos do boneco foram esculpidas em escala humana natural; sua indumentária é
constituída por tules e fitas – os babados da gola e das mangas – e pelos papéis rococó que
embalam as balas que o revestem. Trata-se de uma pantomina patética e imóvel, que pode ser
vista e comida pelo público.
Menciono uma passagem de Fábio de Souza Andrade sobre a peça Fim de partida, de Samuel
Beckett (1906-1989), que inspirou a realização deste trabalho: “Há também a linhagem dos
clowns que trazem a corda bamba junto ao chão e se ocupam de exibir os limites humanos
projetando luz sobre a falha e o fracasso”
1
; e, também, a lembrança do que me ensinou Denise
Stoklos, em 2003: “O palhaço é aquele que ri da insuficiência humana”, ao que eu
acrescentei: a começar pela sua autoinsuficiência.
Bala foi concebido em 2014 e produzido entre 2016 e 2017, em meio ao cenário apocalíptico
do pós-golpe contra o governo Dilma Rousseff (2011-2016), e apresentado no âmbito da
mostra Trienal Frestas: Entre acontecimentos e pós-verdades, no SESC Sorocaba, em
Sorocaba, SP, em 2017.
Em Bala, interessou-me, também, ver o trabalho acontecendo no corpo do outro, sendo
introduzido no corpo do público espontâneo, na boca dele, antropofagicamente devorado,
desembalado, mordido, mastigado, degustado, saboreado, comido2
; as costelas aparentes do
baleiro-palhaço de 1,80 m de altura, as bandejas que constituem seu corpo, reviradas,
remexidas, com balas sobrando somente na “panturrilha” e nos “ombros”; e, ver também, os
papéis de embrulho rococó do doce nos cestos de lixo ou nos arredores do SESC Sorocaba.
Penso no clown como aquele que ri da insuficiência humana – como me ensinou Denise
Stoklos –, a começar pela sua própria. Penso nas imagens de vestir, no baleiro de festas dos
anos 1970 brasileiros que tomei como matriz para a construção de Bala, reconstruído agora
em escala 1:1, e no quanto ele atesta seu inacabamento a partir da decrepitude física, do corpo
de bandejas fisicamente mutilado do boneco. Seu esqueleto aparente denuncia bandejas
elípticas vazias que constituem um ser inanimado, imóvel, descontínuo, em constante estado
de negação na medida em que vai ao encontro dos corpos de outrem, continuamente
fundindo-se a eles e se encontrando, portanto, em constante processo de transformação. Num
trabalho que também fala de falta, lacuna, ausência, que bom que foi – e é – poder presenciar
isso.
Thiago Honório, agosto de 2017.
1 ANDRADE, Fábio de Souza. “Matando o tempo: O impasse e a espera”. In: BECKETT, Samuel. Fim
de partida. São Paulo: Cosac Naify, 2002.
2 Tive o privilégio de ver as balas de coco sendo desvestidas do papel rococó pelo público. Pude vê-lo
comendo a obra e, de algum modo, sentir a vibração do trabalho no corpo de outrem.